Ontem cheguei ao ápice da minha jornada no “morro”. Caíram por terra todas as minhas teorias, ou melhor, todas as minhas fantasias, sobre segurança e liberdade...
Para quem não sabe, estou morando em Florianópolis já faz quase 2 meses, cheguei sem conhecer quase ninguém, apenas alguns parentes e poucos amigos. Sortuda que sou (de vez em quando), em apenas uma semana estava empregada... uffa, uma preocupação a menos! Será?!
Após acertado o emprego, começou minha peregrinação por moradia. Eu estava morando temporariamente com uma amiga e o irmão dela, e, por mais gentis que eles tenham sido (e foram), precisava do meu espaço. Como eu não conhecia a cidade acreditei que ali era um bom lugar, afinal, pertinho do centro, fácil acesso aos ônibus para o serviço (nem tão fácil assim para quem não estava acostumada a caminhar um pouquinho), no meio do caminho entre o trabalho e o lazer... perfect!
Eu queria algo que ficasse perto da amiga, para não perder a companhia, que tivesse fácil acesso ao ônibus para o serviço e que fosse, é óbvio, uma região ‘segura’ (hoje sei que isso não existe). Depois de muito procurar, já sem muita paciência porque sou daquelas que gosta de resolver tudo para ontem, acabei locando um apartamento na rua de cima da casa da minha amiga. Ok... é uma avenida movimentada, quase todos os ônibus passam na frente, o lugar é bem arejado, claro, tem uma boa vista, móveis razoáveis e depois de uma bela faxina ... ficou bom...
Não levei em conta que do outro lado da avenida, fica nada mais nada menos do que um dos morros mais perigosos da cidade, pelo menos é o que quem conhece me diz ... E como eu respondo?: “Capaz gente, o morro é do outro lado, só tem uma ruazinha que preciso atravessar, isso pra cortar caminho, os ‘manos’ nem vão me ver ... além disso, é em cima da padaria, sabe aquela que tem deliciosos sonhos, rocamboles e uma coxinha de camarãooo? Hummm e tudo baratinho ainda!” E nessas eu fui, feliz e contente, interiorana, achando que o mundo ainda era o mesmo daqueles velhos tempos, em que eu adorava os passeios com meu pai, pelos bairros das cidades em que moramos...
Exatas 2 semanas e eu quero fugir, sumir daquele lugar, me esconder em baixo da cama da minha mãe!!!!
Explico...
Segunda-feira... saio cedo do serviço, um dia lindo, 20°, ótimo para uma caminhada. Animada, desci do ônibus, 14h15min, fones de ouvido com minhas músicas antigas, caminhando rumo ao meu “cafofo no morro” (brincadeira sem graça de um amigo), pensando em tomar um banho, descer para o centro, olhar um apartamento para um amigo e ir à praia dos ingleses para o passeio que aquele dia de sol exigia...
Como de costume, cortei caminho pela bendita ruazinha. Imaginem a minha surpresa quando chego ao meio do caminho e vejo a rua tapada de carros da polícia, aquelas fitas limitando a passagem e aquele monte de gente aglomerada?!!! Ingenuamente pensei: “deve ter dado briga ou acidente”, andei mais um pouco e vi o camburão do Instituto Médico Legal chegando pelo outro lado.
Olhei para os lados, pensei em voltar, mas ia acabar andando um monte e chegando ali do outro lado da muvuca mesmo. Então andei mais um pouco para perto daquele monte de gente, uma criançada correndo, cachorro solto, as mulheres com os filhos, (Deus que me perdoe, mas só faltava puxarem as cadeiras e o chimarrão!) ”bom, não deve ser nada sério”... Tirei os fones de ouvido e comecei a ouvir os comentários: “apagaram o fulano ali...” simples, como se isso fosse a coisa mais natural da face da terra.
Gente!!! Tinha sangue para todo o lado, o pessoal da polícia de luvas sujas de sangue inspecionando o local... segurem as crianças, digam que não é coisa para elas olharem, tirem o cachorro de cima do morto por gentileza, abram caminho, não ajam como se isso fosse um espetáculo!
E foi justamente isso que me deixou zonza, as pessoas daquele lugar estão tão acostumadas com a violência que para elas aquilo se tornou um espetáculo. Não foi a morte que me abalou, foi ver crianças pequenas correndo pra olhar, os cachorros cheirando, as pessoas rindo, aquele ‘zunzunzun’ sobre quem era e porque aconteceu ... O que me entristeceu foi à falta de compaixão humana, afinal, tinha uma pessoa ali, jogada na calçada feito um saco de sangue e ossos e mesmo que ele fosse um ‘bandido’, demonstrar que a morte, a violência e o caos do mundo, não abalaram a humanidade dos corações é o mínimo que se espera.
A misericórdia e o respeito pela vida deram lugar à banalidade e hoje a vida já não vale nada. Que mundo é esse, onde uma pessoa morta a tiros no meio de uma rua residencial vira atração? Cadê o tempo em que as mães zelosas iriam correr para tirar seus filhos de perto, seguram o cachorro, correr para dentro de casa? Devo estar fora do tempo mesmo, devo ter pego uma estrela errada e parado no mundo errado, não é possível!!!
Pior de tudo é que para tentar aliviar a pressão, cheguei em casa, tomei um banho correndo e fui para a praia... o sol já tinha ido embora, mas eu ainda queria dar uma caminhada para arejar um pouco... Bom foi chegar perto de uma vila de pescadores e me deparar com um cheiro horrível e ao olhar para o lado, ver um monte de pingüins mortos... Eles devem ter vindo presos nas redes... ai pensei... “Puta que pariu, podiam enterrar os bichinhos e não deixar eles jogados ai em cova rasa!”
É, terminei o dia vendo pingüins mortos e o homem do morro, todos na mesma cova rasa da hipocrisia humana, que evolui para trás e que comemora a ignorância. Não é de se admirar que daqui a alguns anos, estejamos morando em ‘cavernas hiper modernas’ e brincando de tiro ao algo com quem passa na rua...